quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

A FILOSOFIA E A VERDADE COMO MOMENTOS DE UMA HETERONOMIA EM EMMANUEL LEVINAS (em correção)


De fato, a enunciação filosófica cumpre em sua mais constitutiva vitalidade o labor que provém da busca incessante pela “verdade”, rememorada inefável como problema crucial de toda “aventura” da filosofia, esta “vontade de verdade” (no modo nietzschiano de sua apresentação), fora a promotora de tantas emancipações, como também, de suas mais abusivas desventuras.
Emmanuel Levinas em um breve, mas contundente ensaio intitulado “A filosofia e a idéia de infinito”, anuncia este permanente clamor da filosofia na procura pela verdade, mas ainda, extravagantes referencias e críticas infundadas, apontam a generalidade dos conceitos filosóficos como pobres e vazios, como apenas espectros do pensamento, ainda por cima, estes asnos do conhecimento, opinam que a filosofia não haveria nada a dizer, pois carece de qualquer utilidade prática, estes se enganam, a filosofia não constrói sua fisionomia como sombra de uma definição científica, ao contrário o ímpeto prático das ciências é devido ao Eros filosófico que nelas ainda, sobrevivem.
No entanto, verdade e filosofia são vistas em sua relação como desafiadoras ou perturbadoras, isso nos faz lembrar Karl Jarpers, na sua obra “Introdução ao pensamento filosófico” que diria: “a filosofia aspira à verdade total, que o mundo não quer. A filosofia é, portanto, perturbadora da paz” (1965, p.138). A “paz” vigente que é perturbada, nada mais é que a mascara dos regimes hipócritas e violentos. Desse modo respira-se apenas o mundo onde a “luz” e o “fetichismo” da subjetividade moderna e a sua “educação técnica” habitam, o ameaçador espírito da anti-filosofia, enfraquece e reduz irrefletidamente a humanidade, conduz um choque diário de uma catástrofe, onde a identidade do Mesmo é arbitrária, reconhece o outro como constituinte de si e, no entanto, não tem pudores para denominar-se livre e poderoso. Nada mais que o caos da indiferença e o clamor do diferente em sua franqueza, pobre e faminto, aparecem como fenômenos desta “paz” abominável que habita a razão Ocidental. A filosofia, no entanto, faz, às vezes, neste contexto de uma subjetividade ativa o papel de anti-sala da anti-filosofia e apetece a violência e crueldade no modo da barbárie do esquecimento. Desse modo, Levinas estar atento a esta situação de crise e desconforto que habita com maior repercussão no ser-humano. Assim, nos interrogamos inicialmente, se a filosofia e a verdade, podem remeter a um quadro de esquecimento e indiferença pelo outro? Qual a busca da filosofia? E se é certo que ela remeta a uma transcendência, como a filosofia pode ser pensada do ponto de vista de uma heteronomia? Aonde estar o ser-humano em meio aos escombros da verdade obliterada do Ocidente? Se a Filosofia e a Ciência erguem-se sobre a possibilidade e validade do conhecimento verdadeiro, sobre a busca da objetividade, estes critérios vão manter os seus valores e modos na relação e no conhecimento com o outro?
1. A FILOSOFIA COMO AUTONOMIA
O terreno da criação filosófica e a colocação do sentido da verdade é nada mais que de uma história atroz de possuimento e determinação a partir de uma linguagem instituída pelo Eu narcísico. No entanto a filosofia nada mais seria do modo exposto por Levinas: “como uma conquista do ser pelo homem através da história”. A história do ego vitorioso, vigoroso e sanguinário de suas realizações. A ofensiva recai sobre o totalmente diferente de sua identidade, mas sem achar equívocos, o “outro” que a mim a parece põe a ser compreendido, logo é desfigurado pelo conceito, perde sua peculiaridade, para ser aquele que tem seu sentido próprio para existir como servil, para o eu, o outro é estranho e patético é ameaçador para o conjunto de sistemas e redes pessoais e egoístas, nesse sentido, a “alteridade do outro” ofende a enunciação da “primeira pessoa”. A via que a filosofia toma diante deste triunfo sobre o diverso assinala na concepção de autonomia, ou seja, comporta uma investigação livre a partir de um ser pensante, onde este não encontra qualquer restrição enquanto liberdade de investigação. Esta liberdade somente é aparente, ela se dá como uma negação do “outro”, a filosofia é colocação do plano do Mesmo e a partir dele reduz tudo que lhe opõe como Outro é uma marcha constante que não pode ameaçar parar, a busca da verdade como exercício da liberdade pode ser entendida como uma caminha pelo Mesmo. A liberdade do conhecimento pelo Mesmo é arbitraria, é não deixar trair-se pela estranheza de uma outra percepção, deve-se de forma imediata domesticar, desnudar o diverso em prol da conquista da verdade do ego libertador. Diria Levinas:
Só na posse o eu conclui a identificação do diverso. Possuir é manter a realidade desse outro que se possui, mas suspendendo precisamente a sua independência. Numa civilização refletida pela filosofia do Mesmo, a liberdade cumpre-se como riqueza. A razão que reduz o outro é uma apropriação e poder” (1900, p. 205).
No entanto, Levinas procura restituir o sentido da “subjetividade”, ancorado no horizonte de “transcendência” que ultrapassa o esquema egológico imanente do ocidente, reconduzindo o pensamento filosófico para um questionamento de suas implicações Éticas em face ao reconhecimento de uma alteridade ou uma “diferença” em que não se tenha a primazia do Mesmo sobre o Outro. A busca pela verdade deverá ser interrogada no seu cerne, travando uma construção para reformular e apontar a construção Ética diferente de uma estrutura do sujeito transcendental e isolada, que apenas fantasiou a verdade da Ética com seus ideais caóticos de comunismo.
No sentido da filosofia e da verdade tratadas no contato com a alteridade do outro, desconstruindo o mecanismo de redução do Outro pelo Mesmo, teremos a heteronomia, nesse ponto a verdade implica uma experiência distinta, um extrapolamento da própria experiência, não é uma simples exterioridade que se dar fora do experimentado, mas sobretudo no caminho de uma transcendência, uma realidade que estar para além da nossa natureza, assim, “a filosofia ocupar-se-ia do absolutamente diferente, seria a própria heteronomia”. Mas o que significa dizer que a filosofia comportaria em seu bojo como realidade outra, ou transcendência?
2. A FILOSOFIA COMO HETERONOMIA
O que constitui a transcendência levinasiana, não diz respeito a antiga denominação que viria comportar na metafísica clássica, do mais a transcendência da heteronomia filosófica possui muito mais do que uma espécie de confrontação com a noção de filosófica da autonomia do sujeito dominador, o acréscimo na idéia de heteronomia habita no contato com a idéia de infinito. Para Levinas a filosofia não deve ignorar tal perspectiva que habita no infinito a sua mais prolífica significação, é neste conceito a experiência do pensado extrapola o próprio pensado, e a subjetividade se comporta como passividade. Levinas acredita que a idéia de infinito é uma noção tão antiga e que se apresenta antes do poder de redução que a filosofia ocidental adotou ao longo de sua trajetória, cito Levinas: “é preciso dizer que a tradição do Outro não é necessariamente religiosa, que ela é filosófica”. (Idem, p.208). Do certo no mundo onde a violência de nossas necessidades nos impõe a conquistar um lugar no espaço a idéia de heteronomia parece até mesmo confusa e absurda, o infinito desejado extrapola a própria idéia, ou seja, o outro não aparece como propriedade de um ser que limita as suas possibilidades. O que diz respeito ao outro, é a capacidade de construir um futuro, de remeter a uma possibilidade que é diversa, a alteridade do infinito não pode ser abarcada no modo de um conceito, a linguagem da heteronomia reporta a comunicação a realizar um reconhecimento de seus preconceitos. Parece-nos que nela sobrevive a forma mais produtiva da criatividade e da elevação do Bem que nasce no contexto levinasiano do “rosto”. Desse modo estar no mundo não é apenas como um solitário que se angustia a espera da morte da qual é irremediável, a idéia de infinito liga-se a alteridade do “rosto”, do temível face-a-face, aonde a paz imperativa do sujeito desgasta para reconhecer sem intermediários, o outro que no entanto é mais pobre e mais forte do que “eu”. A relação da filosofia enquanto heteronomia encontra um ponto forte na concepção do rosto, o infinito, que é o outramente do ser, não pode receber as ordens de uma imposição moral, mas encontra-se lançada na revelação do rosto que me diz “não matarás”.


Paulo Thiago- 24/02/2011